• QUEM SOMOS?

     

    Somos um grupo de profissionais de saúde mental de diferentes partes do Brasil, unidas em solidariedade ao povo palestino. 

     

    Queremos reverberar as vozes de trabalhadoras da Palestina, denunciando o genocídio em curso e os ataques israelenses à saúde mental do povo palestino. 

     

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    NOSSA SOLIDARIEDADE

    É INTERNACIONAL

    Fazemos parte de uma rede global de profissionais de saúde mental em solidariedade com o povo palestino.

     

    Atuamos no Brasil, África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Egito, Estados Unidos, França, Grécia, Iraque, Irlanda, Jordânia, Líbano, Holanda, Reino Unido, Suécia e Turquia.

     

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  • CARTA ABERTA DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE MENTAL:

    um ano da escalada do genocídio palestino e as violências contra o povo libanês.

    Há décadas a população palestina vem sendo sistematicamente brutalizada e dizimada pela violência injustificada do Estado de Israel. Neste momento, a desumanização imposta à Palestina chega a patamares extremamente elevados e o mundo acompanha o primeiro genocídio televisionado da história sendo praticado no que é chamado de Faixa de Gaza. Um dos alvos estratégicos é a dimensão psicossocial do povo palestino e o sistema de saúde está em colapso. Os profissionais de saúde compõem um grupo preferencial na atual fase de extermínio praticado pelo sionismo e há muitos relatos de colegas sofrendo prisões, torturas e humilhações no exercício de sua profissão, como mostra o relatório da Human Rights Watch, publicado em agosto de 2024.

     

    Clamamos a todas as pessoas, em especial às instituições e profissionais de saúde mental, para que exijamos conjuntamente uma saída definitiva para o genocídio em curso.

    É fundamental que um cessar-fogo seja implementado, com abertura imediata para a entrada de ajuda humanitária em Gaza e o fim das políticas colonialistas e de controle de Israel sobre a vida dos 7,3 milhões de palestinos que vivem no território entre o mar Mediterrâneo e o rio Jordão. Entendemos imperativa a libertação dos reféns israelenses e dos milhares de reféns palestinos ― presos políticos submetidos a constantes torturas sob o regime de segurança colonial, em especial os mantidos sob prisão administrativa e os jovens e crianças.

     

    O governo brasileiro precisa cortar relações diplomáticas com o Estado de Israel, até que se estabeleçam as condições para uma solução comprometida com a dignidade e a soberania do povo palestino.

     

     

    Há um ano do início da fase mais impiedosa do genocídio israelense contra o povo palestino, a situação tem se agravado drasticamente. O bombardeio contínuo e impiedoso sobre a Faixa de Gaza resultou na morte confirmada de pelo menos 41 mil palestinos, sendo 14 mil crianças, e estima-se ao menos 95 mil pessoas feridas, um quarto delas de forma permanente. Há outras 10 mil pessoas desaparecidas. Segundo as Nações Unidas, os ataques israelenses têm feito vítimas civis, produzido deslocamento forçado e destruição de estruturas residenciais e infraestruturas públicas. A média de refeições realizadas por palestinos é de uma por dia e, além da fome generalizada, há falta de acesso a itens médicos e de higiene básica, como absorventes e sabonetes. Pelo menos 1,9 milhões de pessoas (9 em cada 10) em toda a Faixa de Gaza estão deslocadas internamente, incluindo pessoas que foram repetidamente deslocadas (algumas até 10 vezes ou mais). A população e os trabalhadores humanitários estão expostos a grandes pressões psicológicas. Destaca-se também o número de jornalistas assassinados no conflito, ao menos 130, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras.

     

    A situação é de colapso humanitário total e ao número de mortes diretas, somam-se as indiretas. Não é exagerado estimar que 186 mil mortes ou mais já podem ser atribuídas ao conflito. Ainda deve-se levar em conta que mesmo com um cessar-fogo, as consequências dessa destruição se traduziriam em mais mortes ao longo dos meses e anos subsequentes.

    A situação na Cisjordânia é igualmente estarrecedora. Desde 7 de outubro de 2023, ao menos 600 palestinos foram assassinados por colonos israelenses ou pelas Forças de Ocupação Israelenses. Além disso, a construção de novas colônias ilegais em território palestino foram anunciadas, e a política de expropriação e demolição de casas de palestinos segue a todo vapor.

     

    Os números, por mais impactantes que sejam, não conseguem expressar a magnitude do sofrimento humano. A destruição de quase todas as unidades residenciais e a intensificação dos ataques deliberados contra hospitais e escolas, assim como a utilização da fome como estratégia de guerra representam uma tragédia de proporções comparáveis às piores experiências da humanidade. A Human Rights Watch também tem relatado desde o início do genocídio, que Israel tem privado os palestinos de Gaza do acesso à água, combustível, eletricidade, inclusive atacando áreas de produção agrícola que poderiam fornecer alimentos indispensáveis à sobrevivência.

     

    Os civis israelenses também têm sido vítimas de uma escalada de violência que os tem atingido indiscriminadamente, e 116 pessoas seguem sequestradas pelo Hamas. O regime de Benjamin Netanyahu persegue ativistas, reprime violentamente manifestações e críticas ao seu governo. Até mesmo os principais veículos de informação israelenses sofrem censuras, o que revela o caráter autoritário, violento e ditatorial da administração sionista.

    As declarações desumanizantes de representantes do governo de Israel, que se referem ao povo palestino como “animais humanos”, ampliaram ainda mais a lógica racista e segregacionista da Nakba, que há mais de 76 anos vitimiza os palestinos. O regime israelense tem sido explícito em dois principais objetivos: 1) a punição coletiva, uma vez que ataca indiscriminadamente ― quando não propositalmente ― civis, em sua maioria mulheres e crianças, em flagrante crime de guerra; 2) a limpeza étnica, uma vez que Israel procura a oportunidade de levar a cabo o antigo projeto colonial sionista de eliminação total da população palestina de todo territorio entre o rio e o mar, forçando sua expulsão para países vizinhos como Jordânia e Egito para então ocupar essas terras com populações colonas. Cabe lembrar que essa lógica já produziu, segundo a UNRWA, ao menos 6 milhões de refugiados palestinos, contabilizando somente aqueles que estão registrados pela agência.

     

    Enquanto testemunhamos a perda de milhares de vidas, observamos com preocupação o assédio e a tentativa de silenciamento dos posicionamentos em favor dos direitos dos palestinos. Não é aceitável, sob nenhum pretexto, perseguir quem denuncia a existência de um povo apátrida, vivendo em condições de apartheid e genocídio.

     

    Há quase um ano do acirramento do genocidio em Gaza, o governo israelense entra em uma nova fase com as recentes incursões e bombardeios no sul do Líbano e em Beirute, que já deixou mais de mil mortos, incluindo dois adolescentes brasileiros, milhares de feridos, e tem provocado o deslocamento forçado de civis, no que já é o maior êxodo no Líbano desde 2006. Em 29 de setembro de 2024, o governo libanês noticiou que já eram mais de 1 milhão de deslocados, o equivalente a 20% da população do país. Os ataques, tal como em Gaza, deixam um rastro de destruição em infraestruturas civis, incluindo hospitais e outros serviços de saúde e já contabiliza-se 11 profissionais de saúde mortos. O assustador ataque ciber-tecnológico utilizando pagers e walk-talkies deixou mais de 15 mortos, 2800 feridos e trabalhadores da saúde que usavam estas tecnologias, médicos, equipes de resgate e ambulâncias, foram afetados. Pessoas relataram medo severo de andar na rua ou mesmo de se aproximar de outras pessoas. Apesar da retórica de que as ações militares são pelo direito de defesa de Israel contra o Hezbollah, levantamento da Al Jazeera mostra que desde 7 de outubro Israel atacou quatro vezes mais o sul do Líbano que do que Hezbollah atacou o norte de Israel.

     

    A cada rodada de violência, é possível identificar as invisibilidades seletivas, as reportagens tendenciosas, a naturalização de narrativas que desumanizam e que dominam a mídia e o debate público no Brasil e no ocidente assegurando campo aberto para o assassinato de civis arabes. A violência, que nos invade por todos os lados, nos convoca a questionarmos o que exatamente temos feito para defender os direitos das vítimas e para que cada morte não se perca em estatísticas.

     

    Neste sentido, entendemos que é imperioso que o governo brasileiro dê respostas mais enérgicas no campo da diplomacia, que envolvam o embargo militar à Israel, o fim da exportação de petróleo e da importação de armas e tecnologias bélicas israelenses. Também entendemos pertinente o corte de relações diplomáticas com o Estado de Israel, como demonstração de repúdio inconteste à sua ação genocida.

     

    Em nosso campo de contestação ao sionismo, reconhecemos com preocupação o aumento dos discursos de ódio contra judeus. O antissemitismo é uma questão que tem se agravado na atual conjuntura, o que não pode ser menosprezado. Nos posicionamos ao lado de organizações de judeus e judias antissionistas, como a Jewish Voices for Peace (EUA, Canadá), o Vozes Judaicas pela Libertação (Brasil), Judíes por Palestina (Argentina), dentre tantas outras, contra o discurso de ódio contra judeus e também contra a perigosa instrumentalização do antissemitismo para manter o silenciamento e reprimir as críticas a Israel e ao sionismo.

     

    Compreendendo o tamanho dos desafios que se apresentam para o povo brasileiro, fazemos questão de interseccionalizar a luta palestina com a realidade dos nossos corpos-territórios. Entendemos a tragédia palestina como profundamente conectada com a guerra aos pobres, negros, indígenas e comunidades tradicionais no nosso país. A lógica de supremacia racial e étnica é refletida na branquitude brasileira, que justifica incursões a favelas e o assassinato sistemático de crianças, adolescentes e jovens negros. A experiência de povos indígenas no Brasil, em luta por demarcação de suas terras, converge com a dos povos indígenas palestinos: de um lado urucum, jenipapo e cocares, de outro as oliveiras, as keffiehs e o tatreez.

     

    Nesse sentido, rechaçamos veementemente os inúmeros convênios entre as forças de segurança brasileiras e as forças armadas israelenses, sendo o Brasil um dos maiores clientes da indústria de armamentos de Israel. A munição israelense encontra corpos negros, indígenas e periféricos brasileiros, em uma verdadeira lógica de extermínio contra os povos explorados e oprimidos do Sul Global. Acreditamos, portanto, que é nosso papel integrar o enfrentamento às múltiplas expressões do racismo, rompendo o silêncio diante dos genocídios, e outros crimes contra a humanidade.

     

    As lógicas supremacistas de brutalização e a desumanização tem sido historicamente denunciadas pelo movimento negro do Brasil, por exemplo, no contexto do antigo regime de apartheid sul-africano e também em ações de solidariedade internacional com o povo palestino. Os movimentos de libertação negra também experimentaram a condenação ideológica de seus esforços de liberdade sob a pecha de “terroristas”. A desumanização do povo negro é também a desumanização do povo árabe, consolidado por uma aliança da branquitude global, em seu caráter genocida e etnocida. O aquilombamento negro, a retomada indígena e o Sumud palestino são os horizontes de transformação que orienta a todos e todas nós.

     

     

    Por que nos posicionar como profissionais de saúde mental?

    Nós, profissionais de saúde mental de diferentes formações, temos um compromisso com a dignidade de todas as vidas humanas. A situação na Palestina e no Líbano é catastrófica, com gerações de crianças e adolescentes crescendo sob o trauma da violência contínua. Como psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e tantas outras profissões e envolvidos no campos da saúde mental, é nosso dever denunciar a brutalidade do regime de apartheid e colonialismo imposto a esses povos, reconhecendo que a opressão e o terror têm efeitos devastadores na saúde.

     

    Além disso, o acesso à saúde, direito assegurado aos civis mesmo em tempos de guerra, tem sido diuturnamente violado pelo governo israelense, configurando como crime de guerra sua atuação. Percebe-se que essa área é um alvo estratégico do aniquilamento e subjugação e tem duas principais frentes de ataque: assassinato ou detenção de profissionais de saúde no exercício de sua profissão e o bombardeio e destruição da estrutura hospitalar e de outros serviços de saúde.

     

    Até 20 de Setembro de 2024 já foram mais de 500 mortes de profissionais de saúde e 300 profissionais detidos arbitrariamente em Gaza e na Cisjordânia. Quatro detidos foram mortos dentro do confinamento, 23 encontram-se desaparecidos e já foram coletados mais de 50 testumunhos de tortura. Recentemente, a organização internacional Human Rights Watch (agosto de 2024) revelou que as forças israelenses têm realizando deportações para centros de detenção em Israel, o que é ilegal de acordo com a Convenção de Genebra. Profissionais médicos, enfermeiros e paramédicos palestinos libertados descreveram os maus-tratos que sofreram, incluindo humilhações, espancamentos, posições de estresse forçado, uso indiscriminado de algemas e vendas prolongadas e recusa de prestação de cuidados médicos. Também há relatos de terem sido torturados, despidos, espancados, ameaçados com cães, içados por cordas, eletrocutados, dopados, vendados e permanecido com as mãos atadas durante semanas a fio, pressionados a fornecer declarações inverídicas com ameaças de detenção por tempo indeterminado, violação e morte das suas famílias em Gaza.

     

    Os relatos dos trabalhadores de saúde são consistentes com relatórios independentes, à exemplo do “Relatório temático ― Detenção no contexto de escalada das hostilidades em Gaza (Outubro 2023 ― Junho 2024)” do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ― ACNUDH; do “Relatório ― Detenção e alegados maus-tratos de detidos de Gaza durante a Guerra Israel-Hamas” da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente ― UNRWA; em artigos da mídia israelense, a exemplo do artigo “Servimos na Base Sde Teiman de Israel. Aqui está o que fizemos com os habitantes de Gaza detidos lá”, veiculado no jornal Haaretz. As evidências são incontestáveis e qualquer desmentido precisa ser francamente repudiado.

    Desde o início do conflito, mais de 31 hospitais da faixa de Gaza (de um total de 36) foram destruídos pela ação israelense, sendo que um dos maiores, o complexo hospitalar Al-Shifa, permanece completamente inoperante. Os demais serviços de saúde funcionam apenas parcialmente e com limitações severas de material, recursos humanos e segurança. Essa situação é e será responsável pelo grande número de mortes reportadas, diretamente ou indiretamente. Recentemente, o primeiro caso de poliomielite em Gaza foi diagnosticado em um bebê de 10 meses. A pólio havia sido erradicada já há vinte anos nesse território. O ressurgimento da doença, acusada também nas análises da água, indicam problemas graves que podem ter efeitos nefastos muito mais abrangentes, afetando diretamente toda a região, todos os seres humanos e seres vivos, independente de sua origem, e deixam ainda mais nítido que o respeito a dignidade de um povo é uma questão de saúde de todos nós.

     

    Reafirmamos que a luta pela liberdade e pela dignidade do povo palestino, assim como libanês, é uma luta por Direitos Humanos inegociáveis, que transcende fronteiras. Não podemos nos furtar de nos posicionar, como profissionais da saúde, contra o genocídio em curso e contra qualquer forma de opressão racista e colonial. Convocamos as instituições reguladoras de nossas profissões para enfrentarem corajosamente o problema do racismo antiárabe, da islamofobia, do antissemitismo e do regime genocida imposto pelo sionismo. Os aparatos normativos de nossas profissões nos convoca a um fazer ético e sensível com o sofrimento humano e com a preservação da dignidade de todas as pessoas. A neutralidade diante da violência e opressão em contextos de guerra contribui para a perpetuação do sofrimento humano e será cobrada irrevogavelmente pelas gerações futuras.

     

    Entendemos, portanto, que é nossa responsabilidade, como profissionais da saúde mental, responder ao chamado histórico de apoiar o povo palestino e libanês. Não seremos cúmplices de genocídios, limpezas étnicas ou assassinatos, especialmente de crianças. Condenamos o sistema de segregação e discriminação coletiva imposto à Palestina e defendemos a construção de uma paz justa, que respeite a dignidade e a soberania do povo palestino.

     

    Não seremos nós a geração que será conhecida pela História por ter silenciado diante do genocídio palestino e das punições coletivas aos povos da região.

     

    Conclamamos a toda a comunidade no cuidado em saúde mental para exigir um cessar-fogo imediato e permanente, com o fim da política de ocupação e colonização israelense. Reiteramos a necessidade imediata da entrada de suporte humanitário e de serviços de saúde para todas as pessoas que deles necessitem.

     

    Assinam esta carta:

    Brasil Palestine Mental Health Network
    Rede Brasil-Palestina de Saúde Mental

     

     

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